terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Descubra o que uma pessoa culta não deve saber; leia trecho


Há um certo consenso de que uma pessoa de grande cultura precisa ter uma série de conhecimentos. Noções básicas de história, economia e ciências, entre outras, são fundamentais --provavelmente ela saberá dizer quem foi o filósofo Platão, o que aconteceu na Revolução Francesa ou a que se refere a teoria da seleção natural de Darwin.

No entanto, no livro
"Cultura Geral", o filósofo e historiador Dietrich Schwanitz explica também o que uma pessoa considerada culta não deve saber --ou pelo menos fingir que não sabe.

"Também faz parte da cultura sabermos o que é que não devemos saber", escreve ele na abertura do capítulo.


Segundo o autor, demonstrar muitos conhecimentos sobre o campeonato de futebol regional ou estar a par das últimas fofocas de reality shows são atitudes que podem comprometer a credibilidade de uma pessoa que seja tida como intelectual. Um bom começo para criar uma boa reputação, afirma ele, é não ter um televisor em casa, "o que é considerado o non plus ultra (do latim, "nada mais além", ou seja, o máximo) da cultura".


Leia a seguir o capítulo em que Dietrich Schwanitz explica um pouco melhor o que não se deve saber:


*

O QUE NÃO CONVÉM SABER

Também faz parte da cultura sabermos o que é que não devemos saber. Até o momento, as pesquisas dispensaram muito pouca atenção a esse assunto. Cultivamos o preconceito de que o saber nunca pode ser ruim, e isso está baseado no ditado: "Quanto mais, melhor." Mas já deveríamos ter aprendido outra coisa com o pecado original. O saber pode ser inteiramente prejudicial e incompatível com a verdadeira cultura.


Por isso, por regra, não é tido como sinal de grande cultura conhecer com precisão as zonas de prostituição de todas as grandes cidades do país. E mostrar-se entusiasmado e muito familiarizado com memórias de soldados ou romances triviais também pode prejudicar o esforço para se fazer passar por culto.


Por isso, aquele que recentemente imigrou para o país da cultura deveria tentar se familiarizar com os costumes nele cultivados e saber quais são as províncias a serem evitadas ou, caso já as conheça muito bem, esconder cautelosamente esse conhecimento. A seguir, passaremos a designar alguns dos campos mais importantes.


1. Um território extremamente perigoso, em particular para mulheres, é aquele constituído pelas dinastias européias. Nele prevalece uma nítida contradição entre história e presente. O conhecimento acerca das ligações dinásticas entre as casas dos Habsburgos, dos Bourbons e dos Wittelsbachs no século XVIII é bem-vindo à cultura. Porém, quem sempre tem informações detalhadas sobre os atuais problemas familiares da casa de Windsor ou sobre os problemas conjugais na casa do príncipe de Mônaco pode prejudicar em muito a sua reputação. Tais conhecimentos deveriam ser expostos com grande discrição. Caso a conversa venha a desembocar nesse tipo de assunto, devemos mostrar que sabemos algo a respeito de modo muito superficial e de passagem, como se tivéssemos lido a informação casualmente em algum lugar e a tivéssemos considerado uma grande bobagem, a que não demos importância, e justamente por causa de nossa falta de interesse não nos lembramos bem dela. O que se recomenda aqui é, portanto, que se demonstre esquecimento.


Como poderia ser explicada essa obrigação de desconhecer? Ora, contrariamente às relações dinásticas da história, os conhecimentos acerca dos atuais problemas conjugais das famílias reais constituem uma espécie de bisbilhotice que vive à custa da high society. Essa bisbilhotice é difundida pela chamada imprensa marrom, que se especializou em tornar públicas informações oriundas da vida privada de pessoas de destaque. Isso faz com que muitas leitoras, ao participarem da vida de nobres e ricos, tenham a possibilidade de revestir os próprios sentimentos de uma roupagem glamourosa e de darem a seus anseios por emoções um formato grandioso. Esse procedimento se coaduna com um interesse por romances de amor, impressos em livretos de baixo custo, e denuncia um espírito que, por não ter um órgão de percepção emocional para questões realmente importantes, precisa alimentar-se de cretinices.


Quem quiser fazer-se passar por culto deve evitar qualquer sinal de interesse por esse tipo de coisas. O melhor é nem sequer conhecê-las.


2. Porém, um terreno do saber ainda mais perigoso e que deve ser considerado praticamente um campo minado é o da programação televisiva. A televisão tem um papel importante na conversa do dia-a-dia porque todos podem considerar que muitos programas são vistos por muitas pessoas. Portanto, como estão todos a par do que se passa na televisão, a informação sobre os programas e os diversos tipos de programações televisivas revela muito sobre o nível intelectual e o perfil de interesses de uma pessoa, bem como sobre o modo como ela gasta o seu tempo. Se alguém se revela, então, conhecedor de talk showsvulgares, aqueles que são exibidos durante a tarde, ou é um escritor ou um desempregado com um gosto proletário e poucos contatos sociais, que à tarde já está sentado diante do televisor com uma cerveja na mão, em vez de estar lendo Hamlet no original.


Portanto, se conhecemos as convenções, os apresentadores, a dramaturgia e as histórias desses talk shows, devemos ter precaução: ou mantemos esse conhecimento em segredo, ou dizemos que é resultado de um estudo teórico que estamos realizando sobre os meios de comunicação. O mesmo se aplica às séries televisivas, a não ser aquelas que tenham sido alçadas ao status de programa cult, como aconteceu com a antiga série Dallas. Esse status é atingido quando os programas se convertem em uma irônica espécie de liturgia e passam a congregar diante do televisor a comunidade de fãs, que debatem prazerosamente o novo episódio, tão logo acaba a sua exibição.


Especialmente tolos são considerados os concursos televisivos e todas as variantes dos reality shows,como os programas que exibem catástrofes, os que se dirigem aos voyeurs sentimentais, que, por meio de apelos para o regresso de filhos que fugiram de casa, o reencontro de familiares há muito separados, pedidos de perdão, reconciliações e casamentos, são garantia certa de lágrimas. A essa mesma categoria pertencem os simpáticos programas de música folclórica, os festivais de canções, os programas humorísticos e os pastelões, que a televisão exibe com o firme propósito de emburrecer, dia após dia, a população. Nesse caso, o melhor é simplesmente seguir a regra de nada conhecer e não ver nenhum tipo de programa. Se, porém, a pessoa não conseguir manter-se completamente à parte de uma conversação desse tipo, deve fingir o mais completo desconhecimento. Nem sempre isso é fácil e, na hora do almoço, quando todos os outros colegas recapitulam com entusiasmo e com grande interesse pessoal a discussão exibida pela televisão entre um pastor e um violador de crianças, será preciso uma considerável dose de autocontrole para não tomar parte na conversa.


Evidentemente, o tabu contra os programas de televisão apresenta diferentes graus. O que é considerado o non plus ultra (do latim, "nada mais além", ou seja, o máximo) da cultura é simplesmente não ter um televisor em casa. Quem tiver chegado tão longe já não precisa se preocupar com a sua reputação. Se a conversa desembocar no programa do dia anterior e o asceta televisivo for incitado a fazer algum comentário, murmurará apenas: "Infelizmente não tenho televisor." Isso deverá ser dito de modo quase inaudível e em tom de desculpa, para evitar qualquer aparência de crítica encoberta contra o vício televisivo do cidadão comum. Isso, porém, obrigará os outros a lhe perguntar: "O quê? Não tem televisor? Nunca assiste à televisão?" O asceta televisivo voltará a esboçar um humilde sorriso, a fim de cortar pela raiz qualquer suspeita de esnobismo cultural, obtendo, assim, o tímido respeito dos demais ou talvez o seu ódio: "O quê? Ele deve se achar melhor do que os outros!"


Contudo, alguns programas podem ser vistos. Trata-se dos programas políticos, dos debates e dos programas jornalísticos. Com eles, a televisão oferece as únicas informações que não são triviais. Por isso, podemos admitir que os vemos. Todo o resto deve ser evitado.


Somente os intelectuais de carteirinha podem dar-se ao luxo de admitir seu consumo total de televisão, pois, no caso deles, isso será considerado uma viagem de estudo ao domínio da vulgaridade e do mau gosto. A pessoa que é considerada culta e que admite ver o lixo informativo ou a horrorosa pornografia sentimental das pessoas que desnudam sua alma diante das câmeras o faz com certo orgulho da vitalidade de seu intelecto, que mesmo em meio à sucata das zonas mais sórdidas do mundo contemporâneo ainda consegue encontrar algo de valor.


Uma pessoa assim até consegue estabelecer uma relação entre um programa sadomasoquista e a Divina comédiade Dante.


3. O mesmo pode ser dito em relação às revistas. Evidentemente, a imprensa marrom é tabu, e somente por engano uma mulher pode ler uma revista feminina no cabeleireiro. As informações contidas em tal tipo de revista ou são de ordem puramente técnica - referem-se à culinária, à casa, à moda ou ao corpo feminino -, ou são triviais. Mas as informações supostamente técnicas sobre as receitas de culinária, decoração, moda e dietas, bem como sobre todo o vasto campo de consumo constituem, na realidade, pseudônimos, ou melhor, marcas simbólicas que indicam de forma indireta o nível de cultura da pessoa em questão: no consumo, cada um tem sua posição no mapa do gosto. E, nesse âmbito, há determinados padrões, grupos que compartilham o mesmo gosto e que demonstram certa proximidade com a cultura ou são incompatíveis com ela.


Assim, por exemplo, no âmbito da culinária, só comprova ter cultura a pessoa que exibir um marcado cosmopolitismo. Quem não come comida chinesa de jeito nenhum por saber de fonte segura que os chineses preparam carne de cachorro demonstra ter um medo pequeno-burguês do desconhecido, o que também poderia implicar um ódio às palavras estrangeiras. Quem, ao contrário, domina soberanamente os termos da culinária francesa dá a entender que estudou o estilo de vida e a língua dos franceses. Naturalmente, a pessoa não deve procurar ostentar esse conhecimento nem criar oportunidades para demonstrar suas habilidades. O mais conveniente é mencioná-lo de passagem e com uma pitada de auto-ironia, para evitar qualquer efeito de imponência.


O mesmo se aplica à conversa sobre a decoração da casa; certo conhecimento dos estilos históricos não há de fazer mal a ninguém. Convém saber distinguir o Biedermeier do estilo imperial e o art nouveaudo funcionalismo. Em todo caso, pode causar certa estranheza se alguém achar que uma cadeira dos anos 50 é uma antiguidade e se demonstrar uma clara predileção por pinturas com motivos ciganos ou por reproduções de cervos bramindo, vendidas nas lojas de departamentos. Ser um conhecedor desse campo da falta de gosto só pode ser prejudicial.


4. Se as observações anteriores estavam relacionadas à bênção da ignorância em assuntos mais ligados ao âmbito feminino - embora, na verdade, esses domínios do saber supérfluo não sejam específicos a nenhum dos sexos -, o mundo masculino, em oposição ao feminino, está estruturado de modo um pouco diferente. De um lado, há nele um acúmulo de conhecimentos incompatíveis com a cultura e uma especialização em assuntos triviais, que, como é comum entre os homens, podem chegar a um fanatismo pelo saber, sobretudo no que se refere ao esporte.


Por outro lado, entre os homens há não apenas conhecimentos incompatíveis com a cultura, mas também um problema relacionado à forma como a demonstram. Um dos vícios mais arraigados na mente masculina é sua tendência à fanfarrice. Os homens adoram vangloriar-se e demonstrar sua superioridade. São condicionados a agir desse modo - seja por razões genéticas, seja por influência do meio social - porque competem entre si por mulheres, riquezas, renome e o que mais se lhes apresentar. Precisamente por isso adoram a competição e o esporte.


A menos que sejam intelectuais, recomenda-se a eles certo desconhecimento na área esportiva, principalmente em relação ao futebol. Quem souber de cabeça como foi o jogo entre o Schalke 04 e o Borússia Dortmund, em 1969, quais foram os jogadores que marcaram gols e quais foram substituídos mostrará que é um especialista. Isso torna bastante improvável que, ao mesmo tempo, seja um conhecedor da obra tardia de Goethe, incluindo aquelas sobre morfologia. É bem verdade que, após 1968, tornou-se chique entre os intelectuais deter conhecimentos futebolísticos. Mas, nesse caso, o intelectual deveria ser marxista ou, no mínimo, sociólogo, para assim tentar um contato com as massas trabalhadoras. Ser liberal ou conservador e, não obstante, um torcedor do Borússia Dortmund só revelaria uma natureza vulgar.


Toda ostentação, ainda que cultural, é absolutamente incompatível com o conceito de cultura. Quem se vangloria da própria cultura só deixa transparecer que é inculto. A cultura não deve ser ostentada, pois não constitui um campo em que lutamos pelo aplauso dos outros. Aliás, é totalmente proibido pôr às claras a inferioridade do interlocutor, submetendo-o a uma espécie de campeonato de perguntas e respostas. Quem se comporta de maneira esnobe acaba por prejudicar seu próprio anseio por cultura, já que dela também faz parte um conhecimento sobre as formas civilizadas de se comportar, e seu verdadeiro objetivo é uma comunicação sem nenhum tipo de constrangimento, que venha a enriquecer a vida humana.


Mas, assim como todo esnobismo relativo à cultura é proibido, também é impróprio mostrar-se melindrado por ele. A cultura não comporta complexos de inferioridade, pois a ostentação de cultura por si própria já é suficiente para fazer com que a pessoa caia no descrédito. Por isso, são particularmente infelizes as suspeitas paranóicas de que os cultos arrogantes só querem humilhar os demais. Igualmente funestas são as reações do tipo: "O senhor deve achar que só porque estudou sabe mais que os outros", pois apenas demonstram que a pessoa que a proferiu é muito insegura. E se de fato encontrarmos alguém que ostente de modo inconveniente sua própria cultura, teremos todos os observadores do nosso lado se adotarmos uma postura serena e generosa, ou seja, se não esboçarmos nenhuma reação, enquanto o arrogante perde lentamente o seu brilho.


No entanto, também constitui um pecado contra o Espírito Santo fazer discursos detalhados sobre temas situados fora do conhecimento cultural ou quando o mais conveniente seria manter uma conversa animada. Aqui há campos específicos que fazem muitos homens caírem em tentação.


No primeiro lugar da lista estão os milagres da técnica em geral e, em particular, os automóveis. Numa exposição de arte, quem conseguir, por meio de um discurso de trinta ou quarenta e cinco minutos, comprovar a uma mulher que um Porsche é superior a uma Ferrari, enumerando para isso doze razões da mais alta esfera técnica da construção de motores, ainda que o faça com grande paixão e riqueza de conhecimentos, não lhe parecerá de forma alguma mais culto do que antes, por mais que o diretor da General Motors possa considerar essa apresentação uma obra-prima em termos de precisão, lógica e excelência retórica. O mesmo é válido para palestras sobre bombas d'água, aviões de caça, estações espaciais, reatores nucleares, subestações de transformação, usinas de carvão e todo tipo de aparelhos.


Portanto, há conhecimentos que delatam a falta de cultura tão rapidamente quanto as lacunas culturais. Naturalmente, os limites entre o conhecimento canônico, os conhecimentos permitidos e os proibidos são flexíveis; aquilo que hoje é proibido pode ser permitido amanhã. Na maioria das vezes, após algum tempo, as zonas triviais da cultura de massa ascendem à esfera da cultura; isso se aplica tanto às novas formas de cultura quanto aos novos meios de comunicação.


Dessa forma, quando de sua invenção na Inglaterra, no século XVIII, o romance era inicialmente considerado uma forma literária trivial, apropriada apenas para as mulheres, e não para os gentlemende formação clássica. Por isso, muitos autores ocultaram sua identidade por trás de um pseudônimo. Porém, já no século XIX, o romance passou a ser reconhecido como forma artística apropriada ao grande público. Algo semelhante ocorreu com o cinema nos últimos trinta anos. Se em 1960 ele ainda era tido como um produto da indústria cultural americana, com o qual uma pessoa culta considerava indigno ocupar-se, hoje os suplementos culturais dos melhores jornais trazem comentários sobre filmes, e professores de literatura ensinam cinematografia como se fossem amputados ensinando os outros a andar. O cinema passou a fazer parte da cultura, e já não é preciso ocultar o conhecimento a seu respeito. Prova disso é que as grandes salas se esforçam para fazer com que o espectador vivencie sua visita como uma experiência teatral.


No fundo, a quantidade de conhecimento proibido que precisamos esconder depende do nível cultural de cada um. Nesse ponto, vale a regra prática: quem for novo no país da cultura deve esconder todo o conhecimento proibido, já que ainda não conhece bem os hábitos nele cultivados; tal pessoa ainda não consegue avaliar corretamente as sutis diferenças entre os conhecimentos permitidos, os admitidos e os absolutamente proibidos; por isso, o melhor é não se arriscar. Em contrapartida, a pessoa altamente culta pode permitir-se dar uma olhada geral nas zonas mais triviais e vulgares do saber. Isso irá contribuir para sua boa reputação, pois todos irão supor que ela se interessa por essas porcarias apenas por relacioná-las a algo de ordem superior, sabendo extrair delas coisas de surpreendente importância.


Por outro lado, a esfera da chamada "segunda cultura" é neutra. O termo tem origem em uma controvérsia político-cultural, desencadeada pelo inglês C. P. Snow há trinta anos. Snow era físico e romancista. Durante o debate sobre a implantação da escola integrada na Inglaterra, proferiu uma importante palestra que ficou conhecida como As duas culturas. Com esse título, ele se referia, de um lado, à cultura literária e humanista da formação clássica e, de outro, à cultura técnico-científica. Em sua palestra, Snow lamentava a tradição da cultura inglesa do gentleman e do amador, que sempre deram prioridade à cultura literária e humanista em detrimento das ciências naturais, o que contribuiu para o atraso da Grã-Bretanha diante de nações entusiastas da tecnologia, como os Estados Unidos e o Japão. Conseqüentemente, exigia que o planejamento didático e pedagógico das escolas e universidades desse maior atenção aos conhecimentos técnico-científicos.


Essa palestra desencadeou um amplo debate sobre a relação entre ambas as esferas da cultura. Na Alemanha, o emprego da expressão "duas culturas" também se tornou popular. Apesar disso, o apelo de C. P. Snow praticamente não teve efeito: os conhecimentos científicos são ensinados na escola e acabam por fornecer alguma compreensão sobre a natureza, porém quase nenhuma sobre a cultura. Por isso, continua sendo considerado impossível não saber quem foi Rembrandt. No entanto, se uma pessoa não souber qual é o segundo princípio da termodinâmica ou a relação entre eletromagnetismo e força da gravidade ou, ainda, o que é um quark, embora esse termo seja proveniente de um romance de James Joyce, ninguém irá considerá-la sem cultura. Por mais lamentável que possa parecer a algumas pessoas, embora os conhecimentos científicos não precisem ser escondidos, não fazem parte da cultura.


Nas universidades e no mercado de trabalho, observamos que a primeira cultura é um domínio feminino, ao passo que a segunda é um âmbito masculino (se nele incluirmos as ciências econômicas e as disciplinas afins). Isso acarreta certa assimetria na ascensão social. Imaginemos duas crianças que são vizinhas e provenientes do mesmo meio social: uma menina chamada Sabine e um menino chamado Torsten. No final do ensino médio, ambos se apaixonam um pelo outro e planejam casar-se após concluírem a faculdade. Torsten estuda engenharia mecânica e se forma engenheiro; Sabine estuda psicologia, germanística e história da arte. Torsten tem de ir estudar em Aachen; Sabine, em Hamburgo, Paris e Florença. Após os exames finais, eles se reencontram. Torsten tornou-se um excelente engenheiro mecânico e logo arranjará um bom emprego. Sabine tornou-se uma pessoa completamente diferente devido a seus estudos. Torsten sabe construir máquinas. Sabine modificou-se ao ter uma visão dos pressupostos da comunicação e dos sistemas simbólicos da cultura. Em termos de comportamento, opiniões e hábitos, Torsten praticamente não evoluiu, mas seus conhecimentos o capacitam para ganhar muito dinheiro. Já no caso de Sabine, o êxito financeiro é incerto. Em contrapartida, ela se tornou mais exigente em relação ao nível de comunicação, pois aprendeu a falar francês e italiano, leu muito, fez novos amigos entre os intelectuais e os artistas de Paris e Florença e está estudando a mais recente teoria literária.


Quando se reencontram, Torsten lhe parece um homem de Neandertal. E, se ela perceber a tempo que agora já não pode se casar com ele porque isso seria uma desgraça, será uma felizarda. Porém, se continuar com a fixação de se casar com Torsten ou com outro homem parecido oriundo de seu meio - afinal ele ganha muito dinheiro -, irá tornar-se uma feminista totalmente convicta da natureza selvagem do homem. Também Torsten será infeliz e só terá uma chance: ler este livro.


Em outras palavras, a cultura também é uma esfera que influencia com intensidade diferente a ascensão social de ambos os sexos, o que posteriormente se converte em uma das causas mais inadvertidas dos conflitos entre os casais.

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